Ao contrário do que muitos pensam, uma das características principais da depressão não é a tristeza, e sim a desconexão. Muitas vezes, mesmo sendo um sintoma narrado pelo paciente, a tristeza não é percebida por quem está ao redor, já a desconexão é mais facilmente observável.
Como assim desconexão? A pessoa começa a se desconectar de seus projetos, das pessoas e lugares, nada faz mais tanto sentido, a faculdade, o curso de línguas, nem os amigos.
As pessoas estão assumindo um ritmo frenético de vida, suportando cargas diárias altíssimas de estresse, ignorando os sinais que seu sistema envia informando que algo não está bem. As pessoas acreditam que ao ignorarem esses sinais, eles irão sumir, porém eles tendem a aumentar. Sinais esses como: cansaço excessivo, insônia, ansiedade descontextualizada, desânimo etc.
No geral, está havendo uma normalização em dizer que não há tempo para cuidar de si, não percebem o quão absurda é essa frase. Dessa forma as pessoas vão sobrecarregando seu sistema com níveis alto de estresse, podendo “se levar” à depressão. Para que vocês entendam, quando seu cérebro é exposto a cargas altas de estresse, ele começa a liberar vários neurotransmissores “do mau”, dentre eles o cortisol, que dentre suas funções uma delas é bloquear os receptores de serotonina e dopamina, neurotransmissores esses responsáveis pelo seu bom humor e motivação, compreende o problema?
Quando a pessoa se expõe ao estresse constantemente, numa frequência considerável, elevando todo dia seu nível de cortisol e reduzindo drasticamente seus receptores serotoninérgicos e dopaminérgicos, ela pode chegar ao estado de anedonia (incapacidade de sentir prazer em atividades normalmente agradáveis).
Muitas mulheres que atendo, trazem como queixa inicial a falta de perspectiva, narram estarem descontentes com sua dinâmica e se mostram desconectadas de si mesmas. Na maioria das vezes são mulheres que se tornaram mães e decidiram dedicar sua vida, quase que integralmente à maternidade, mesmo as que não largam seus empregos para cuidarem integralmente de seus bebês, apresentam essas queixas, pois acabam alterando consideravelmente seu padrão de comportamento anterior a maternidade.
Entenda: nosso cérebro funciona na base da “recompensa”, e quanto mais estímulos você tiver no seu dia, maior a probabilidade de você ativar seu “sistema de recompensa”. Agora imagine uma mulher, que hora se arrumava, conversava com colegas de trabalho, ou amigos, dava boas risadas, vez ou outra bebia seu drink, fazia suas unhas, de uma hora para outra essa mesma mulher passa a ficar em casa, sem tempo para lavar um cabelo, ou sem pessoas para conversar, reduzida a um contexto social restrito por conta da maternidade.
Possivelmente ao se expor a esse contexto por muito tempo, irá se desconectar de si mesma, receberá poucos estímulos que ativem diariamente seu sistema de recompensa, passará a liberar mais cortisol e menos neurotransmissores do humor positivo e poderá entrar em estado de anedonia, chegando a um estado depressivo.
Muitas mulheres com a maternidade, o casamento ou a partir de um evento específico, optam no automático, por deixarem de “existir” enquanto sujeitos, mas não compreendem que essa escolha não será sustentada biologicamente a longo prazo.
Por esse motivo o autocuidado é o “segredo” da saúde mental, através dele, você reduz consideravelmente as chances da desconexão tomar conta. Quando você se preocupa consigo mesma, você não entra no modo automático, se observa, se preocupa e se dedica em alimentar um estado mínimo de bem estar diário.
Uma mulher que continua fazendo suas unhas, mantendo seu ciclo de amizades, se permitindo pequenas pausas para dar boas risadas com algumas amigas, que se vê arrumada no espelho, que alimenta sua sexualidade, essa mulher irá enviar “disparos” básicos de recompensa para o seu sistema, o mantendo em equilíbrio.
Eli, mas muitas mulheres, principalmente após a maternidade não tem rede de apoio para manter esse padrão básico. Então, esse argumento nos levaria à uma segunda discussão sobre o quanto as mulheres alimentam padrões paternos inadequados, sempre se colocando na posição daquela que deve dar conta de tudo, muitas vezes impedindo o homem/pai de se tornar sua maior rede de apoio.
Lógico que não é uma tarefa fácil não se perder em meio a tanta transformação, como no caso da maternidade, porém ninguém disse que seria.
Sempre digo que autoconhecimento, autocontrole, autoestima, tudo o que diz respeito à saúde mental dá trabalho para conquistar, pois nosso ambiente, de maneira geral, nos coloca constantemente em situações desfavoráveis, sendo assim, para manter a saúde mental em dia, temos sim, que “pagar o preço”.
Fazer terapia, uma caminhada básica, manter uma rede mínima de interações sociais, pedir ajuda quando se sentir sobrecarregada, aceitar que as “unhas feitas” simbolizam muito mais do que vaidade e não ignorar o fato de que cuidar de si e, se permitir momentos simples de prazer, são movimentos inegociáveis, mesmo em um ambiente que não facilite esse processo. Cuidar de nós mesmos é nossa obrigação básica para uma sobrevivência minimamente funcional.
Foto: Eduardo Martins (Tag Agency Group) por Elisangela Niná – CRP:120921/06